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Deputados tomam decisões polêmicas de costas para a sociedade e em benefício próprio

Há um mês, a Câmara votava uma das mais importantes e polêmicas propostas que já foram tratadas quanto ao quesito combate à corrupção. As razões que levaram a tal discussão nós sabemos, mas vou trazer aqui alguns detalhes que possam ser novos para o leitor.

No início de 2015, em 20 de março, o Ministério Público Federal (MPF) lançou nacionalmente a campanha 10 Medidas Contra a Corrupção e, desde então, têm sido alvo de críticas e de drásticas mudanças. Políticos de diferentes níveis hierárquicos, juristas, órgãos públicos e privados, todos deram seus pitacos depreciando tais medidas. A Defensoria Pública Estadual do Rio de Janeiro, o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e a AJD (Associação Juízes para a Democracia) foram algumas das entidades que teceram duras críticas.

Lançamento das 10 Medidas Contra a Corrupção

A elaboração das 10 Medidas Contra a Corrupção teve início em 2014, quando membros do Ministério Público Federal e integrantes da Força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, usaram como base, experiências de outras grandes operações criminais e, claro, desta em questão para, a partir daí, desenvolverem propostas de alterações legislativas que tornem mais efetivos o combate à corrupção e à impunidade. A equipe foi designada pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, e está dividida em três grupos:

1º – Força-tarefa do MPF

É formada por procuradores da República que estão na linha de frente da investigação na primeira instância da Justiça Federal do Paraná. Entre eles: Deltan Martinazzo Dallagnol, Carlos Fernando dos Santos Lima, Orlando Martello Junior, Athayde Ribeiro Costa, Diogo Castor de Mattos, Roberson Henrique Pozzobon, Paulo Roberto Galvão, Júlio Carlos Motta Noronha, Laura Tessler, Isabel Cristina Groba Vieira, Jerusa Burmann Viecili, Januário Paludo, Antônio Carlos Welter, Andrey Borges de Mendonça (estes três últimos integraram a equipe e agora atuam como colaboradores).

2º – Grupo de Trabalho na Procuradoria-Geral da República (PGR)

Formado por membros do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para auxiliar o procurador-geral da República na análise dos processos em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Essa equipe foi instituída em janeiro de 2015 e é responsável por assessorar a PGR na investigação e acusação de deputados federais, senadores e outras autoridades. O grupo de trabalho atua em paralelo à força-tarefa. Entre eles:
Membros efetivos – Anna Carolina Resende Maia Garcia, Daniel Resende Salgado, Douglas Fischer, Melina Castro Montoya Flores, Pedro Jorge do Nascimento Costa, Rafael Ribeiro Rayol Ronaldo Pinheiro de Queiroz, Sérgio Bruno Cabral Fernandes (promotor do MPDFT), Wilton Queiroz de Lima (promotor do MPDFT). Membros colaboradores – Andrey Borges de Mendonça, Bruno Freire de Carvalho Calabrich, Fábio Magrinelli Coimbra, Marcello Paranhos de Oliveira Miller, Rodrigo Telles de Souza.

3º – Força-tarefa para atuar no Superior Tribunal de Justiça

Foi instituída em dezembro de 2015, pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), atendendo proposta da Câmara de Combate à Corrupção (5ª CCR) do MPF. Entre eles: Subprocuradores-gerais da República – Francisco de Assis Vieira Sanseverino, Áurea Maria Etelvina Pierre, José Adonis Callou de Araújo Sá, Maria Hilda Masiaj Pinto, Mônica Nicida Garcia.

Depois de criadas e lançadas, as propostas de combate à corrupção foram levadas à população para receber seu ‘aval’ e continuar sua longa, difícil e burocrática caminhada. A coleta de assinaturas teve início em 27 de julho do ano passado e em somente dois meses já havia cerca de 190 mil. Neste momento também foi criado o ‘assinômetro’ para contar em tempo real as assinaturas. Para dar auxílio ao real entendimento das propostas e em busca de maior apoio, a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) lançou vídeos explicativos sobre cada item.

Coleta da assinaturas pelo Brasil

No final do quarto mês (novembro) de coleta de assinaturas, o MPF já tinha mais de 700 mil e no mês seguinte, no Dia Internacional de Combate à Corrupção (9), a instituição lançou o primeiro vídeo de uma série de animações que, de forma lúdica, explicam como o combate à corrupção pode ser mais efetivo se as proposituras de alteração legislativa forem aprovadas. Lembro ainda que em dezembro o ‘assinômetro’ já havia registrado mais de um milhão de vistos.

Ao mesmo tempo em que as 10 medidas anticorrupção ganhavam força, entidades jurídicas rejeitavam e faziam notas de repúdio às propostas. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) rejeitou 14 dos iniciais 21 itens, afirmando que a maioria era inconstitucional. Integrantes do Conselho cogitaram até a rejeitar todas as propostas, porém não o fizeram, afinal algumas delas estavam de acordo com o plano de combate à corrupção da própria OAB.

Em 24 de fevereiro deste ano, o MPF atingiu a meta de 1,5 milhão de assinaturas para que as 10 Medidas Contra a Corrupção fossem apresentadas ao Congresso Nacional em forma de projeto de lei (PL 4850/16) de iniciativa popular. Em menos de um mês o número de apoiadores ultrapassou dois milhões, sem contar as instituições, entidades, empresas, entre outros que, também, deram os braços à causa. O Ministério Público segmentou as assinaturas em quatro grupos diferentes: os cidadãos deixaram suas rubricas online através do assinômetro; pessoas jurídicas de diversos setores estão listadas nesta planilha; personalidades também têm sua lista; esta última divide os favoráveis às medidas por estados.

Dentro do Judiciário

Por decisão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, o presidente da Câmara, na época, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) assinou despacho que determinava a criação de uma Comissão Especial para analisar a matéria que envolveria várias comissões temáticas. Tal decisão ocorreu no dia 04 de abril. Dois meses depois, o presidente interino Waldir Maranhão (PP/MA) assinou a autorização de criação da Comissão Especial que analisaria o PL 4850/16.

**O leitor tem na memória os motivos que levaram essa ‘dança das cadeiras’ na presidência da Câmara dos Deputados, por isso não vou detalhar o ocorrido**

A Comissão Geral foi realizada em junho (22) e contou com exposições de membros do MPF, juristas, especialistas, representantes da sociedade civil e parlamentares. Vale lembrar que neste evento não houve votação, somente debates sobre as medidas. O deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PV/SP), um dos autores do requerimento dessa comissão, detalhou os principais momentos do debate:

Deputado Antonio Carlos Mendes Thame

“Esse debate atinge três pontos: o primeiro ponto é uma legislação eficiente – nós temos que mudar a legislação; o segundo ponto é a fiscalização – não adianta ter uma legislação eficiente que não seja seguida por ninguém; e o terceiro ponto é a conscientização popular. Esse debate ajuda a crescer aquela conscientização do povo que a corrupção é um mal que está na fronteira da boa administração e da boa gestão”.

A convocação da Comissão Especial, ato realizado dia 07 de julho, representou avanço regimental, segundo o MPF, afinal garantiu o andamento / tramitação do projeto dentro da Câmara. Neste período, o presidente da Casa – ainda Waldir Maranhão – escolheu os parlamentares indicados pelas lideranças partidárias que compuseram as Comissões. Em seguida foi feita a eleição do presidente, vice-presidente e a designação do relator do PL.

Requerimentos postergaram análise
do projeto 10 Medidas Contra a Corrupção

Após todo o processo de montagem das Comissões, cada tema do projeto começou a ser discutido entre os deputados. Diversos itens foram alvos de discussões mais profundas por meio de requerimentos exigidos pelos integrantes das comissões. Por essa razão, dois meses foram dedicados a tais demandas.

Nesse período foram analisados 128 requerimentos (acesse e veja quem requereu e quantas vezes o fez).

A partir daí até a votação, ocorrida entre a noite do dia 29 e a madrugada do dia 30, o texto do projeto passou por alterações feitas pelo relator deputado Onyx Lorenzoni (DEM – RS).

Votação no Plenário da Câmara

Na noite de 29 de novembro, o texto-base das 10 Medidas Contra a Corrupção, foi aprovado por 450 votos a favor e um contra. Sinal de que os deputados estavam de acordo com as propostas sugeridas pelo Ministério Público e, de que as mesmas teriam votos favoráveis no Plenário algumas horas depois. Porém, como o próprio relator Onyx Lorenzoni disse “houve hipocrisia” e o que se esperava era apenas “a retirada de algumas medidas”, mas não uma desconfiguração do texto. “Fizeram picadinho delas ”, lamentou.

A votação aconteceu na calada da noite, madrugada do dia 30, e terminou somente às 4h19. Nesse ínterim os deputados “dizimaram o pacote” e ainda segundo o relator, “o que eram dez medidas, vai virar meia”. Você leitor lembra o que também aconteceu nessa madrugada. O mundo estava voltado para a tragédia do avião da Chapecoense que deixou 71mortos e seis feridos entre jogadores, jornalistas e tripulação. Ou seja, enquanto a sociedade esperava mais detalhes do incidente, a Câmara destruía as propostas e a remontava a seu bel-prazer.

Deputados votaram propostas anticorrupção na calada da noite

Um projeto de tamanha relevância e magnitude não pode ser votado às pressas e, muito menos, às escondidas. Não foi a primeira vez que uma decisão de grande repercussão é tomada no meio da noite com o intuito de defender benefícios particulares. Discussões, debates, votações e decisões polêmicas devem ser realizadas / tomadas com aviso prévio, a luz do dia e aberta a todos.

Das dez propostas, apenas uma foi mantida integralmente, a que eleva a pena de corrupção de 4 para 12 anos e que varia de acordo com o valor desviado (quanto maior a cifra, maior o tempo de reclusão). Esta ainda torna crime hediondo o desvio de verba acima de cem salários mínimos (R$ 8,8 milhões). As demais foram rejeitadas ou sofreram alterações nos respectivos textos. Veja aqui os trechos alterados. O texto segue agora para análise do Senado, que não aceitou requerimento de urgência para votação.

Após a poeira baixar um pouco, o ministro do STF, Luiz Fux, aceitou, em 14 de dezembro, o mandado de segurança impetrado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) que pedia a anulação da votação do pacote anticorrupção, fazendo com que esse volte para a Câmara dos Deputados para nova análise.

Agora é esperar o fim do recesso para as discussões recomeçarem.

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